terça-feira, 23 de junho de 2009

Pelo valor de uma terça-feira


Em uma quinta-feira já bem anoitecida, éramos seis bem acomodadas em sofás. Em um daqueles dias em que as novidades são tantas que parecem infinitas, a surpresa: elas acabaram. “Ai, ainda bem que amanhã já é sexta”, disse uma cara cansada de olho nos ponteiros que marcavam quase meia-noite. Pronto. Estava definido o assunto de mais uma discussão-sobre-tudo-e-nada, entre as quais estão aquelas que tratam do futuro da humanidade e aquelas sobre uma caixa de fósforos sobre a mesa.

“É né, como é bom quinta-feira... já é quase sexta, quase o fim da semana.” E cada uma, descompromissadamente, foi falando sobre o seu gosto particular pelas quintas-feiras. Todos compatíveis: o dia seguinte já é sexta. E a sexta-feira é sempre boa. “O tempo passa mais rápido porque é o último dia”. Entre às 18h e 19h (para os não explorados) se está livre para aproveitar a noite e os dois dias de folga que seguem.


“Eu acho quarta-feira legal também. Porque divide a semana no meio. Daí só faltam mais dois dias.” É, a quarta-feira tem seu valor. Já passou a metade da semana, é um dia com cara de descanso, com cara de um suspiro bem fundo, de fôlego.


“Segunda-feira é péssimo. O dia parece não ter fim e não se vê ainda nenhuma luz no fim do túnel”. (Ps.: A essas alturas o descompromisso não existia mais, todas precisavam dar sua contribuição, se fazer ouvir). O primeiro dia de trabalho vem com o cansaço do fim de semana e com a promessa de toda uma jornada ainda pela frente. Mas tudo bem, temos que passar por isso. “E a terça? Alguém sabe definir uma terça-feira?”


Pois é. A grande questão era a terça, que não tinha serventia. Não era um dia tão ruim como a segunda, mas também não bom, porque... sei lá, não é bom. E por alguns bons minutos ficamos na busca de uma utilidade para ela. “Terça-feira não precisava existir”. “Mas daí a quarta-feira não seria mais o meio da semana e ia ficar na situação da terça”. “Ta aí, gente! A terça existe para que a quarta seja legal por ser o meio da semana. Ela serve pra isso.” Pronto. Estava resolvido o problema.


Acompanhada de risadas cansadas e comentários inúteis, a quinta-feira, já pesada aos ombros, se recolheu. Deu lugar à boa e querida sexta, novinha em folha, com todos os seus planos.

sábado, 9 de maio de 2009

O Monstro

Texto feito para a disciplina de Impresso III baseado no conto homônimo de Humberto de Campos.


Houve um misto de dor e alegria quando se avistou um sobrevivente. Em meio à destruição, morte e desespero, a vida humana resistia, lutando agora contra os escombros que se acumulavam mais e mais. Era único, porém guerreiro.

Tornou-se guerreiro por obrigação quando foi apresentado àquela situação. Não tinha escolha, a única alternativa era lutar pela vida. E era o que faria, não se deixaria vencer.

Estava ali devido a um outro homem. Um suicida que, envolto em ódio, fé e dinamite, haviam se jogado contra o centro religioso. Foi único, porém guerreiro.

Foi guerreiro por obrigação, porque não teve escolha senão tentar salvar o mundo da expansão de doutrinas infiéis. Era o que tinha de ser feito. Não deixaria que vencessem.

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Era o sexto dia da criação. Deus criou Adão frente ao olhar atento do leão. Cercado por barro e água, achou um local sobre as pedras para firmá-lo. Sentia-se uma brisa serena que balançava os límpidos ramos de oliveira. Porém uma estranheza pairou no ar naquele instante. As criaturas ao redor sentiram um incômodo com sua presença. Era um monstro.

A dor, a angústia e a morte que vagavam pelas redondezas sob a forma de espectros sombrios se viram num reflexo conjunto. Estavam lá, todos, fazendo parte da nova criatura. Não estavam sozinhos, dividiam espaço com alegria, amor e justiça, mas estavam lá. Era a causa da estranheza de todos. Um animal feito da união de sentidos, formas e sentimentos se materializava naquele instante.

Deus fez sua criatura mais perfeita à sua imagem e semelhança. Imagem que se desenvolveu buscando redenção e a vida em um dito paraíso pós-morte. Semelhança vista no poder de ter várias faces ao mesmo tempo. Abrigar amor e ódio, alegria e rancor.

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O barulho das máquinas que removiam as pedras, serravam os ferros, juntavam entulhos era ensurdecedor. O grupo de bombeiros treinados para o tipo de ação, seguindo o rastro de vida, muito faziam para conseguirem chegar ao homem coberto de sangue e dor, que para eles, tinha os gritos mais agudos que qualquer máquina próxima. Após longos minutos de operações, um bombeiro teve em seus braços o turista europeu.

Não muito longe dali, um prédio abrigava um acúmulo de pessoas. Ouvia-se cantos em meio à orações incessantes. Vestidos todos de maneira semelhante eram tomados ao mesmo tempo por um fervor religioso e militar, perceptível em razão do armamento aliado aos trajes.

Entre os presentes muito respeito e devoção a um nome citado diversas vezes: Maomé. O profeta - como também fora Adão – que soube pela visão do anjo Gabriel da existência de um Deus único, era ovacionado pelos extremistas islâmicos pelo sucesso da operação no centro religioso cristão há poucas horas.

A alegria reinava e os comentários diziam que aquele centro cristão propagava idéias incorretas. Não era regido por leis islâmicas, portanto não contribuía com o propósito maior da vida. Eram homens-monstros. E Alá deixou dito em seus mandamentos que incrédulos e infiéis não tinham lugar neste mundo.

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O hospital que fora seu lar pelos últimos dias agora ficava para trás. Só o que o europeu desejava era ir às pressas ao aeroporto para voltar ao seu país. Prometeu a seus parentes, que nunca haviam concordado com sua viagem para turismo religioso, que jamais voltaria àquele lugar.

Estava feliz de uma maneira incontestável por ter sobrevivido. Uma vez que chegasse em casa, iria direto à Igreja para agradecer pela vida poupada, prestar sua gratidão ao seu Deus, que tinha como responsável por sua sobrevivência e paz.

Mas misturado ao sentimento de gratidão estava o ódio. Um ódio mortal pelos que o tinham feito passar por aquilo. Eram homens-monstros que matavam sem dó nem piedade, que não respeitavam as leis de amor ao próximo. Em um grito contido, praguejou com palavras de condenação ao Deus inspirador daqueles seres. Deus este, responsável por sua dor e morte.

Ao prazo de uma semana do acontecido, o europeu, bem como o islâmico, estavam tranqüilos em seus lares, com a sensação de dever cumprido, de estarem agindo conforme o ideal do Criador, seu semelhante. Ideal de dor, alegria, amor e morte. Ideal de ter várias faces ao mesmo tempo. E ambos eram felizes no sonho de uma vida póstuma repleta de recompensas.